O controle da letalidade policial

O controle da letalidade policial
Não precisamos de policiais heróis que matem e morram, mas de profissionais da segurança pública que minimizem o risco para eles próprios e para a sociedade
25/09/2015 – 17h18
Ignacio Cano, O Globo
As polícias brasileiras apresentam níveis muito elevados de uso da força e provocam milhares de vítimas fatais a cada ano. Os fatores que estão por trás desse fenômeno incluem: a) uma criminalidade também muito violenta; b) doutrinas policiais que incentivam a “guerra contra o crime”; c) setores significativos da opinião pública que encorajam o extermínio de criminosos; d) problemas de formação técnica; e e) uma supervisão deficiente da atuação policial, tanto interna quanto por parte dos órgãos do sistema de Justiça criminal, como o Ministério Público e o Judiciário.
Em consequência, todos os relatórios de direitos humanos mostram que são relativamente frequentes os casos de execução sumária e raros os exemplos de punição dos autores. Por outro lado, as polícias que mais matam são também as que mais morrem, de forma que o número de policiais mortos no Rio de Janeiro a cada ano ultrapassa a centena.

As pesquisas mostram que a letalidade policial costuma se concentrar em alguns batalhões e em alguns policiais. Adicionalmente, estudos revelam que o estresse é uma das variáveis que está associada a um maior nível de uso da força letal. Policiais estressados tendem a usar mais a força e policiais submetidos a situações de confronto desenvolvem mais estresse, numa espiral que se retroalimenta.
Nesse cenário, a Polícia Militar do Rio de Janeiro, em conjunto com o Laboratório de Análise da Violência da Uerj, desenvolveu um índice de aptidão para o uso da força policial, que pretende avaliar cada agente sob várias dimensões, entre elas o uso de munição nos seis meses anteriores.

A ideia é que o policial que ultrapasse um limiar razoável de consumo de munição, considerando a função que desempenha e a área em que trabalha, passe por um processo de reciclagem e, se reincidente, seja retirado do serviço na rua por um tempo.
Essa proposta foi apresentada num seminário interno e está aguardando que a PMERJ decida sobre a forma de implementá-la. Se bem-sucedida, ela poderia significar um incentivo institucional significativo para a redução da letalidade policial num estado que, é bom lembrar, a premiava 20 anos atrás.

O deputado Flávio Bolsonaro repudiou a iniciativa da tribuna da Alerj. Não caberia esperar outra coisa de quem defende que bandido bom é bandido morto, mas vale a pena examinar seus argumentos. O deputado afirmou que retirar a arma de policiais que atiram demais equivale a deixá-los indefesos frente à criminalidade, mas o fato é que afastar da rua um policial exposto a frequentes confrontos armados é uma forma de protegê-lo, e proteger a sociedade, dos efeitos do estresse sobre o uso pouco criterioso da arma de fogo.

O policial que passa um tempo longe da rua estaria, assim, sob um risco menor e não maior de sofrer violência. O deputado disse ainda que quem defende tais propostas estaria “querendo ter mais mortes de policiais”, mas, a rigor, quem tem um interesse objetivo na continuidade da violência é ele, pois numa sociedade com baixos níveis de violência e insegurança as teses de “bandido bom é bandido morto” perderiam toda a sustentação política.

Não precisamos de policiais heróis que matem e morram, mas de profissionais da segurança pública que minimizem o risco para eles próprios e para a sociedade.
Os policiais que se sentirem tentados pelos cantos de sereia da truculência e do extermínio de criminosos devem pensar que, quando o Ministério Público e o Judiciário acordarem para sua função constitucional, quem vai sentar no banco dos réus são eles e não aquelas pessoas “no ar-condicionado”, parafraseando o deputado, que usam essas posições como bandeira política.

Ignacio Cano é professor da Uerj e membro do Laboratório de Análise da Violência

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