Valor: Por que o PT perdeu em Porto Alegre e So Paulo?
Tarso Genro: As eleies no podem ser compreendidas fora do contexto
nacional e do que chamo de encerramento do segundo ciclo da existncia
do PT. O primeiro vai da fundao at 1988, quando ganhamos Porto
Alegre e Sao Paulo, e o segundo vai de 1988 a 2004. O encerramento deste
ciclo se caracteriza por uma crise de ambigidade do partido em escala
nacional.
Valor: Que ambigidade esta?
Genro: De um lado, o PT ainda com certos traos utpicos relacionados
com sua histria e, de outro, o PT que descamba para um acordo
completamente fora dos parmetros histricos, como em So Paulo, com
(o apoio) de (Paulo) Maluf. Essas duas caractersticas do partido esto
derrotadas. Isto significa que se esgota tanto o pragmatismo que nos
leva para uma postura de partido tradicional quanto aquela viso do PT
como partido de movimento, de generosidade e de luta e que chega ao
governo, cumpre tarefas de alta relevncia, governa bem, mas
derrotado.
Valor: As derrotas em Porto Alegre e So Paulo representaram um
julgamento e um enfraquecimento do governo Lula?
Genro: O governo Lula no sai enfraquecido, mas o PT pode se
enfraquecer
se no analisar com profundidade a causa das derrotas nessas duas
regies emblemticas e no iniciar a construo de novo projeto
partidrio para este terceiro ciclo. O governo Lula saiu bem das
eleies e isto muito importante para o partido e o pas.
Quantitativamente o PT mostrou mais vigor e capilaridade nacional, mas
absolutamente incontornvel reconhecer que a perda de So Paulo e
Porto
Alegre constitui um baque fundo no nosso prestgio poltico nacional e
internacional.
Valor: O que houve de semelhante nas derrotas nessas cidades?
Genro: Por causas diferentes tivemos o mesmo deslocamento de setores
mdios contra ns. A Marta Suplicy foi uma excelente prefeita, o Joo
Verle tambm. Ambos estavam muito bem considerados pelas pesquisas e
ns no conseguimos transferir esse apoio aos nossos candidatos. H um
sentimento de renovao e de mudana, que ns mesmos somos
impulsionadores, e que se voltou contra ns. O encantamento, o charme
e a coerncia da histria do PT alcanaram seu pice com a eleio do
presidente Lula e destes governos (municipais). Isto se esgotou. Sem
um novo impulso, esse pice pode entrar num processo de deteriorao.
Acho que o discurso do encantamento da classe mdia que se produzia em
funo
de uma viso scio-transformadora no tem mais nenhum apelo num mundo
completamente irracional, consumista e comprimido pelo processo
econmico que herdamos e ainda muito cedo para dizer que foi
revertido.
Valor: Funcionrios pblicos contrariados pela reforma da Previdncia
esto neste contingente?
Genro: possvel que tenha algum contingente influenciado por esse
processo, mas no creio que tenha sido definidor. Se isso fosse
verdadeiro, se o governo Lula fosse fator de problema, ns no
teramos
ganho no primeiro turno em Recife e Belo Horizonte.
Valor: Mas o prprio candidato derrotado em Porto Alegre, Raul Pont,
admite que o descontentamento com o governo Lula pode ter influenciado
o resultado. O que houve de diferente entre Porto Alegre e Belo
Horizonte,
por exemplo?
Genro: Foram formas diferentes de disputar os conceitos sobre o
governo Lula. Na campanha de Belo Horizonte a questo do governo Lula esteve
presente de maneira intensa. E toda a relao poltica nacional, de
projeto, que o Fernando Pimentel apresentou durante a campanha esteve
totalmente vinculada ao governo Lula. Aqui no Rio Grande do Sul, a
discusso sobre o governo Lula no foi provocada nem por ns nem pelos
nossos adversrios. Fica difcil dizer, ento, como querem alguns
companheiros, que o governo Lula prejudicou a eleio do Raul. Na
minha
opinio, no.
Valor: Qual o caminho a seguir?
Genro: Agora se trata de construir um novo ciclo, j colocando, como
elementos fundamentais, a questo da reeleio do presidente Lula, a
transio para um outro modelo de desenvolvimento e a pretenso de
reorganizar o sistema de alianas nacional, que hoje no tem nenhuma
coerncia em termos federativos.
Valor: Como deve ser esta reorganizao?
Genro: No aceitvel que setores do PMDB e nomes do PSDB como Lcio
Alcntara e Luiz Paulo Vellozo Lucas estejam fora do sistema de
alianas
e uma constatao como esta implica que precisamos de uma reforma
poltica que possa oferecer alianas de carter nacional e de acordo
com
as vises programticas dos partidos. preciso uma viso mais
federativa do sistema de alianas, que permita uma mnima coerncia na
relao com o Congresso e com as lideranas regionais. O que deve ser
privilegiado, num contexto mais imediato, a reeleio do Lula.
Valor: Que perfil o PT comea a desenhar neste terceiro ciclo?
Genro: Estamos iniciando a etapa de construo, que no curta. No
ser resolvida na prxima eleio e passa no mnimo por mais duas ou
trs eleies. E, mais do que isto, passa pelos resultados do projeto
econmico que o governo Lula est desenvolvendo, do sucesso da
transio para um outro modelo de desenvolvimento, que na minha opinio ainda
no
ocorreu e que est sintetizado pelo que o presidente disse
recentemente
em Curitiba: 2005 ser o ano da infra-estrutura e da educao.
Concordo
plenamente com esta viso do presidente de privilegiar de maneira
muito
clara duas ou trs questes estruturadoras do novo modelo sob pena de
termos um bom governo, honesto, mas um governo mdio, no um governo
que
d efetivamente a esperana no futuro.
Valor: Isto no significa um afrouxamento oramentrio, uma mudana de
rumo provocada pelo resultado das eleies?
Genro: O presidente no diria uma frase como disse em Curitiba de
maneira gratuita. Ele estava j sinalizando quais sero os dois
elementos da transio do modelo e acho que processo eleitoral
fortalece
esta viso do presidente. Mas isto no implica em irresponsabilidade
oramentria. Exige mais responsabilidade, mas tambm mais deciso de
fazer gastos bem feitos e isto no significa se isolar da comunidade
financeira internacional, no implica num afastamento da globalizao.
Pelo contrrio, significa entrar na globalizao de maneira soberana,
ter um suporte poltico externo de enorme amplitude, relaes
comerciais
que dem sustentao para alcanarmos taxas de crescimento compatveis
com um pas como o nosso, que devem ser no mnimo de 6% a 7% ao ano.
Valor: S que isto no consenso dentro do partido.
Genro: Qual ambigidade que o PT no resolveu? Como partido de
governo ele no enfrentou corretamente uma viso corporativa de sua base. E
enquanto partido de luta no conseguiu vincular a capacidade de
produzir
demandas sociais e de presses sobre o governo combinando-as com
decises do governo. Isto determina uma contradio entre o partido
que
est no governo e o que est fora.
Valor: Esta situao no est afastando o PT de suas bases?
Genro: A questo da reorganizao da nossa base social passa muito
mais
pela incluso em relaes formais de trabalho do que propriamente de
polticas sociais que so necessrias, mas no reorganizam a base da
sociedade, apenas combatem a misria no seu ponto mais extremo. Ento
a questo da retomada do crescimento, da incluso das pessoas na
sociedade de classes passa a ser chave para um partido moderno de esquerda. Isto
significa altas taxas de crescimento, distribuio de renda e
polticas pblicas fortes. No mais uma luta para agudizar o conflito de
classes, mas pela recoeso da sociedade.
Valor: O que o PT gacho deve fazer para recuperar a hegemonia
poltica no Estado em 2006?
Genro: Deve fazer excelentes governos nas cidades que estamos
governando, disputar politicamente junto sociedade o significado do
governo Lula para o pas, criar canais de dilogo ampliados com as
classes mdias e comear a costurar um projeto de desenvolvimento para
o Rio Grande do Sul, projeto que no haver se no ocorrer uma
renegociao, ainda que moderada, sem criar instabilidade, da dvida
pblica dos Estados. J disse isto quando concorri ao governo do
Estado
(em 2002) e esta questo ainda permanece em aberto.
Valor: O Sr. est recolocando a proposta, agora por dentro do governo
federal?
Genro: No vou abrir a discusso porque esta no uma questo minha
como ministro da Educao, mas mantenho a mesma opinio que manifestei
durante a campanha eleitoral de 2002.
Valor: O PT pode buscar uma aliana com o PPS de Jos Fogaa para
o desejado bloco de centro-esquerda em 2006?
Genro: muito cedo para dizer qual ser ao sistema de alianas. O
ideal
seria que o sistema de alianas regional reproduzisse com um mnimo de
coerncia o sistema nacional e que tivesse o espectro de
centro-esquerda, onde PT seria o partido que representaria a esquerda.
Mas cedo para falar em partidos.
Valor: Como ser a reforma ministerial ps-eleies? O Rio Grande do
Genro: O presidente Lula vai mexer no ministrio. natural, porque o
ministrio tem que corresponder s relaes polticas reais nos
Estados,
que, por conseguinte, refletem diretamente no Congresso, o centro
principal da governabilidade do pas. Mas o presidente nunca mencionou
qualquer nome nem qualquer ministrio, embora seja visvel
politicamente
que ele v modificar alguma coisa. Em relao ao Rio Grande do Sul,
todos os ministros, como os de todos os demais Estados, ocupam cargos
confiana do presidente e todos, indistintamente, devem estar
preparados para tomar outro rumo numa reforma ministerial.