Caio da Silva Prado Júnior, filho de aristocrática e tradicional família paulistana, teve como dois momentos importantes de sua vida uma viagem à União Soviética e à então denominada «Cortina de Ferro» (formada por Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária e Romênia, entre outros) e quando embrenhou pelo interior do Brasil, indo a lugares como o Triângulo Mineiro e Goiás.
No ano de seu centenário de nascimento – nasceu em São Paulo em 11 de fevereiro de 1907 -, Caio Prado Júnior continua respeitado como um dos principais responsáveis pela renovação da historiografia e das ciências humanas brasileiras.
Essa inovação veio quando o historiador começou a procurar uma explicação diferenciada da sociedade colonial brasileira por meio da teoria marxista. Um de seus preceitos era que não lhe interessava saber datas e dinastias, mas conhecer a produção, o movimento dos negócios, as técnicas de plantio, o mecanismo de transmissão da propriedade etc.
Com relação à história brasileira, Caio Prado considerava que o caráter colonial, que teve como período «síntese» o início do século 19, permanecia na estruturação da sociedade brasileira na primeira metade do século 20.
«A obra de Caio Prado Júnior representa um caso bem sucedido de ‘nacionalização’ do marxismo, o qual entendeu principalmente como uma abordagem, que deveria servir de instrumento para analisar as particularidades constitutivas de diferentes formações sociais.
Com isso, não procurou feudalismo onde não havia – como fazia a maior parte da esquerda brasileira – mas se esforçou para entender a singularidade da experiência histórica do Brasil. Nessa perspectiva, chamou a atenção para o ‘sentido da colonização’: produzir, em grandes unidades trabalhadas pelo braço escravo, bens demandados pelo mercado mundial capitalista então em constituição.
A partir daí, inaugurou uma nova linha de interpretação do Brasil e da América Latina, que se faz sentir inclusive nos trabalhos de Celso Furtado e da teoria da dependência», avalia o historiador Bernardo Ricupero, autor do livro Caio Prado Júnior e a nacionalização do marxismo (2000).
Entre suas principais obras estão Evolução política do Brasil, de 1933, uma análise marxista e materialista da história nacional; História econômica no Brasil, de 1945, interpretação da formação econômica nacional desde o período colonial até a época de publicação do livro; e A revolução brasileira, de 1966, uma análise dos rumos do país após 1964, que lhe rendeu o prêmio de Intelectual de 1966, concedido pela União Brasileira dos Escritores.
«Nota-se em seu trabalho, principalmente em Formação do Brasil contemporâneo (1942), contribuições teóricas no que se refere à elaboração da complexidade da inter-relação entre fatores externos (ligados à dependência do Brasil em relação ao mercado mundial, e, portanto, à tese do ‘sentido da colonização’) e internos; à consideração da possível reciprocidade das relações entre fatores econômicos, sociais, políticos e culturais (ou seja, embora aceite a tese da determinação última pela base econômica, ele vê a relação com os fatores culturais e sociais como complexa, muitas vezes de mão dupla, não como epifenômenos); ao aprofundamento da visão da diversidade temporal das reações à temporalidade cíclica do ‘sentido da colonização’, e, conseqüentemente, à necessidade de estudo dos contextos regionais (ou seja, não basta determinar o ‘sentido da colonização’ de forma genérica, há que se estudar seus contextos particulares, regionais, de diferenciação); à atenção aos fatores de desequilíbrio e instabilidade da sociedade», avalia Paulo Teixeira Iumatti, autor da biografia Caio Prado Jr. – uma trajetória intelectual e um dos organizadores de Caio Prado Jr. e a Associação dos Geógrafos Brasileiros, ambos a serem lançados no segundo semestre.
Caio Prado Júnior também se destacou no modo de avaliar o ofício de historiador, o qual, em sua opinião, deveria compreender que, ao estudar qualquer fato da história de um povo, é necessário considerar que este ocupa um determinado espaço numa linha de acontecimentos históricos. Além disso, é preciso penetrar por todas as áreas do conhecimento para entender da melhor maneira os fatos, nunca se atendo somente a eles.
Outra área em que Caio Prado Júnior teve intensa participação, desde sua juventude, foi na política brasileira. Ele se opôs aos interesses dos fazendeiros de café e foi preso, por razões políticas, inúmeras vezes. Em 1947, por exemplo, quando era deputado federal, teve seu mandato pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) cassado. Também foi perseguido em 1964, sendo preso pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Quatro anos mais tarde, teve seu título de livre-docência na Faculdade de Direito da USP cassado, e sua aposentadoria decretada.
Entre os feitos de Caio Prado Júnior, são bastante importantes a fundação da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB, primeira entidade científica nacional) e a criação da editora Brasiliense, em 1943, especializada em livros de especialistas das mais diversas áreas científicas e renomados professores comunistas da Universidade de São Paulo (USP). Caio Prado Júnior faleceu em 1990, devido a complicações decorrentes de um aneurisma na artéria aorta.
«Muitos aspectos de sua obra são vistos como ‘datados’. Por exemplo, nos anos 1970, surgem as primeiras críticas ao enfoque do ‘sentido da colonização’. Mas parece que é só entre o final dos anos 1980 e começo dos anos 1990 que a ruptura total com o enfoque de Caio Prado se processará, consolidando um estereótipo de sua obra como propositora de uma espécie de ‘império do comércio externo’, que tudo explica e determina.
Vide, por exemplo, o primeiro estudo do livro Escravidão e abolição no Brasil – novas perspectivas (1988), organizado por Ciro Flamarion Cardoso. Outro exemplo, e mais contundente, é o livro de João Fragoso e Manolo Florentino, O arcaísmo como projeto (1993), em que os autores reavaliam o significado do mercado interno na história brasileira e criticam a tese do ‘sentido da colonização’, que vêem como nefasta à compreensão da economia colonial. Agora não me parece que Caio Prado seja hoje um ‘dogma’ que precise ser refutado ou defendido. O desafio está em construir instrumentos para compreender de forma mais isenta o seu percurso como intelectual e seu papel na história do pensamento», completa Paulo Iumatti.